Opinião – Santana Castilho: Assim vamos

Eis a ideologia grunha para a Educação do século XXI: que todos passem sabendo o que souberem, desde que a escola os guarde a tempo inteiro, para que os pais trabalhem cada vez mais, ganhando cada vez menos.

1. O ministro da Educação esteve mais de cinco horas no Parlamento, qual louvaminhas de vacuidades, a defender “o mais robusto” orçamento que já apresentou. Em síntese, diz o Governo que vai rever o modelo de recrutamento de professores, estudar a hipótese de substituir aulas por outras actividades para os que tenham mais de 60 anos, considerar a criação de incentivos para determinados grupos de recrutamento, alargar ao 2.º ciclo do ensino básico a malfadada “escola a tempo inteiro”, rever a portaria de rácios funcionários/alunos e promover uma nova geração de “contratos locais de segurança”.

O que se pode dizer sobre o orçamento para a Educação varia segundo o que tomarmos por comparação. O seu valor tem aumentado ano após ano do governo PS, depois de uma década em que foi reduzido em 12%? Sim, mas ainda está aquém da expressão que tinha antes da troika e, por referência ao PIB, os três últimos orçamentos são os piores desde que aderimos ao euro. Admitiram-se cerca de 5500 novos funcionários? Sim! Mas esses devem ser comparados com os 24.000 que saíram de 2011 a 2015.

Da lista vasta de promessas não cumpridas pelo governo do PS, este orçamento retoma a universalização da educação pré-escolar a partir dos três anos. Porém, pelo andar das negociações, não me surpreenderá que medidas protectoras de cães e gatos se sobreponham a medidas protectoras de crianças que teimam em não nascer.

2. Agora, aulas de português podem ser dadas por professores de inglês, francês, alemão ou espanhol, de geografia por professores de história e de informática não importa por quem, desde que tenha frequentado uma qualquer acção de formação sobre a matéria. Ora o problema não se resolve com uma “nota” manifestamente ilegal e desqualificante da classe e da escola pública. Em vez de criarem condições para que profissionais com habilitação (que os há) aceitem os lugares vagos, os responsáveis puxaram pela cabeça e actuaram segundo a ideologia grunha para a Educação do século XXI (que todos passem sabendo o que souberem, desde que a escola os guarde a tempo inteiro, para que os pais trabalhem cada vez mais, ganhando cada vez menos).

3. A imprensa afanou-se a noticiar que 45.000 docentes foram promovidos em 2019 e que mais de 6000 atingiram o topo da carreira, graças ao milagre do descongelamento e recuperação de tempo de serviço. Providencial ênfase dada a promoções que, tivesse a lei vigente sido aplicada, se deveriam ter verificado em 2011, mas servem agora para branquear a provocação de uma proposta de aumentos de 0,3%, para salários estagnados há dez anos.

4. António Lacerda, secretário de Estado da Saúde, receitou chá e bolos para combater os agressores dos médicos. Do entender meloso do governante depreende-se mesmo que se as paredes das salas de espera dos hospitais forem pintadas de rosa, talvez se diluam os níveis de tensão. Razão tem o governante para reflectir com tamanha profundidade, porque professores, médicos, enfermeiros e assistentes operacionais viraram sacos de pancada de agressores que ficam livres, com simples termo de identidade e residência. Entretanto, a mulher que agrediu uma procuradora e uma juíza foi imediatamente presa e assim continuará até ser julgada. Será que este exemplo passará a servir de modelo para situações similares de outros exercícios profissionais? Será que a mão pesada que se ergueu para proteger a integridade física de juízes e procuradores passará a proteger o ventre das professoras grávidas agredidas no seu local de trabalho?

5. Na reabertura da oficina da Comboios de Portugal, António Costa disse ter o sonho de passarmos a fazer parte do clube dos produtores de comboios e que, para tal, o país tem de ser “persistente e não voltar a cometer erros que no passado foram cometidos”. Ao sonho, o primeiro-ministro parece ter acrescentado o remorso, que poderia ter explicitado melhor. É que a Sorefame foi totalmente extinta em 2001, era António Costa ministro no Governo de António Guterres. Para os mais novos, recordo que a Sorefame foi uma das maiores empresas portuguesas que, há mais de 40 anos, nos fez entrar no clube dos construtores de comboios.

Professor do ensino superior

SPGL – Assembleia Geral de Sócios – 5ª feira, 23 de Janeiro, às 18 horas, na Sede do SPGL

Ordem de Trabalhos:

1. Análise da Situação político-sindical

2. Decisão sobre a adesão à greve nacional dos docentes e investigadores no dia 31 de Janeiro.

Opinião – Santana Castilho: Está moribundo o Ensino do Português no Estrangeiro (EPE)

Sem que nos estejamos a dar conta, estão moribundos os cursos destinados a manter viva a herança linguística e cultural portuguesa junto das comunidades emigradas.

Basta uma literacia política mínima e a leitura atenta da Constituição da República Portuguesa (CRP) para podermos afirmar que o direito à língua é um direito fundamental. Com efeito, a língua materna é elemento determinante da identidade cultural, estando o seu ensino e valorização permanente consagrados como tarefas fundamentais do Estado [art.º 9º, alínea f) da CRP]. O relevo particularíssimo do papel da língua portuguesa (língua oficial de oito estados independentes, falada em todos os continentes por cerca de 280 milhões de pessoas) para os cidadãos espalhados pelo mundo está bem expresso quando a CRP volta a fixar que incumbe ao Estado “assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa” [art.º 74º, nº 2, alínea i)]. Apesar disto, as decisões políticas da última década têm promovido a menorização do ensino do português, como língua materna, para os filhos dos emigrantes, revelando um condenável desprezo pela necessidade de manter uma forte ligação identitária (linguística e cultural) de Portugal com a sua diáspora.

Ainda que sem nunca ter sido assumido politicamente como instrumento estratégico importante, o EPE conheceu uma acentuada expansão durante os 30 anos em que esteve sob tutela do Ministério da Educação (em 2000 a rede EPE tinha cerca de 700 professores). Com a passagem, em 2010, do EPE para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, via Instituto Camões, a degradação começou. Os coordenadores do EPE foram substituídos por quem nunca tinha leccionado na rede ou sequer leccionado alguma vez. Em Outubro de 2012 (D-L n.º 234/2012) foi instituída a vergonhosa obrigatoriedade de os emigrantes pagarem 100 euros anuais para os filhos fruírem do direito constitucional de aprenderem português como língua materna. Acresce que o processo de cobrança é iníquo: se os filhos dos emigrantes têm as aulas em conjunto com alunos dos países de acolhimento, ficam isentos e o Estado português financia a aprendizagem dos alunos estrangeiros; se os filhos dos emigrantes têm isoladamente as suas aulas, pagam ou são expulsos dos cursos, como acaba de acontecer na Suíça. Como era de esperar, a maioria dos pais recusou-se a pagar e mais de 20.000 alunos ficaram sem aulas de língua e cultura portuguesas (eram 60.000, serão hoje cerca de 40.000). Distribuídos pelos países onde existem cursos de ensino básico e secundário (Espanha, Andorra, França, Luxemburgo, Bélgica, Países Baixos, Reino Unido, Suíça e Alemanha), restam no corrente ano lectivo 277 professores a ensinar português na Europa, número a que se somam mais 24, que leccionam na África do Sul, Namíbia e Suazilândia.

Lamentavelmente, certamente por razões economicistas (a tacanhez política sempre achou demasiado caro este tipo de ensino), a rede de cursos de EPE nunca foi estendida aos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Venezuela, onde as comunidades portuguesas têm uma presença significativa. Os cursos de português que por lá resistem são iniciativas de entidades escolares locais ou de associações de emigrantes.

Lamentavelmente, o investimento sério e inteligente na divulgação do português, quer como língua materna quer como português para estrangeiros, foi sempre substituído pela esperança mesquinha de que sejam os outros países a pagar e fazer essa divulgação. Nessa linha, o Instituto Camões apresenta à opinião pública em Portugal, iludindo-a, elevados números de professores de português, que não estão sob sua dependência nem custam um cêntimo ao nosso Estado: são docentes que ensinam nos Estados Unidos, Austrália e Canadá, contratados e remunerados por entidades locais, que não por Portugal.

O Camões transformou o português para luso-descendentes em português como língua estrangeira, impôs exames de português para estrangeiros tendo por norte o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, pensado para adultos e portanto inadequado para o ensino de crianças, particularmente as do 1º ciclo, e nessa lógica insensata criou grupos de aprendizagem conjunta com alunos do 1º ao 12º anos de escolaridade. Milhares de alunos estão a perder o contacto com a língua portuguesa e a esquecer o que aprenderam, quebrando, assim, as raízes linguísticas e culturais e a ligação afectiva ao seu país de origem. Sem que nos estejamos a dar conta, estão moribundos os cursos destinados a manter viva a herança linguística e cultural portuguesa junto das comunidades emigradas.

A 3 de Novembro de 2017, na cerimónia de posse do actual presidente do Camões, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse: “Procuramos que a língua que os filhos das nossas comunidades estudam seja uma língua que eles estudem não por ser uma língua do gueto, que eles não são, não por ser uma língua regional, que não é, mas por ser uma língua de herança e uma das grandes línguas globais do mundo de hoje”. Ressalvando que o Camões “não tem o monopólio, nem deveria ter, da promoção da língua portuguesa e das culturas de língua portuguesa”, Santos Silva destacou que este organismo é “o agente principal de promoção internacional do português, das literaturas e das culturas de língua portuguesa”, não sendo essa missão incompatível com a valorização da rede de ensino de português como língua materna, que é “responsabilidade legal, constitucional e até moral” do Estado português. Lembradas à distância, parecem palavras que não foram além da retórica ou que simplesmente soçobraram à substituição de Camões por cifrões.

Infelizmente, o direito constitucional à identidade linguística dos portugueses não está derrogado apenas no caso em apreço. De entre outros, atentemos à proliferação provinciana de denominações inglesas para escolas e cursos universitários portugueses [fazendo tábua rasa do Regime Geral das Instituições de Ensino Superior (art.º 10.º, n.º 1)] ou a imposição subserviente de uma língua de negócios a alunos portugueses em aulas desses cursos, dadas por professores portugueses. 

A “piropedagogia” dos utilitarismos modernos, inimiga do saber e do conhecimento, vem afastando os jovens das Humanidades e da cultura que importa. A norma é hoje uma sequência de vacuidades, desde que impressionem no imediato. Quando acabámos com os poucos restos de latim que ainda havia no ensino secundário, desligámos a aprendizagem da nossa língua da sua filiação de origem. Quando permitimos a desvalorização da Filosofia, da Literatura e da História nos programas de ensino, deslumbrados pelo progresso tecnológico, começámos a sonegar aos alunos o conhecimento mínimo que os pode situar no mundo, revelar-lhes as raízes e ajudá-los a reflectir sobre o futuro.

Professor do ensino superior